quarta-feira, 15 de janeiro de 2014


A PRETO E BRANCO

Dois dias após a mudança, a casa permanece um labirinto de caixas. Dizem que as mudanças são boas para colocarmos ordem na vida e jogar no lixo metade das inutilidades que nos perseguem. Comigo não funciona. Admiro cada objeto com os olhos da memória. Todos eles contam um pouco da minha vida.

Olha este baú! Há quanto tempo não o abro. Afago-o, sinto a madeira gasta pelo tempo e, antes de levantar a tampa, sirvo-me de mais chá. Com todo o tempo que não tenho, abro-o e é uma avalanche de passado que me absorve.

Fotos a preto e branco, daquelas que só quando eram reveladas, sabíamos se o fotógrafo se portara a contento. Passo uma a uma. Podia talvez colocá-las num álbum. E o espaço? Sempre o espaço. Afasto uma caixa para ganhar um mais pouco de sofá e de conforto.

Demoro-me numa em especial. A minha avó e os dedos ágeis que, sem medo da agulha que mordia a grande velocidade, costurava quase para toda a vila. As pernas, já cansadas, mostravam-se ligeiras no pedal da máquina de costura. Gostava de a observar. Seguia cada movimento com olhar atento, pensando: «a minha avó é uma artista».

Parece que naquela altura se envelhecia mais, mas mais devagar. Quando terminava uma costura, colocava-me no colo e dizia-me: «Um dia ensino-te.»

 

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