A PRETO E BRANCO
Dois dias após a mudança, a casa permanece
um labirinto de caixas. Dizem que as mudanças são boas para colocarmos ordem na
vida e jogar no lixo metade das inutilidades que nos perseguem. Comigo não
funciona. Admiro cada objeto com os olhos da memória. Todos eles contam um
pouco da minha vida.
Olha este baú! Há quanto tempo não o abro.
Afago-o, sinto a madeira gasta pelo tempo e, antes de levantar a tampa,
sirvo-me de mais chá. Com todo o tempo que não tenho, abro-o e é uma avalanche
de passado que me absorve.
Fotos a preto e branco, daquelas que só
quando eram reveladas, sabíamos se o fotógrafo se portara a contento. Passo uma
a uma. Podia talvez colocá-las num álbum. E o espaço? Sempre o espaço. Afasto
uma caixa para ganhar um mais pouco de sofá e de conforto.
Demoro-me numa em especial. A minha avó e
os dedos ágeis que, sem medo da agulha que mordia a grande velocidade,
costurava quase para toda a vila. As pernas, já cansadas, mostravam-se ligeiras
no pedal da máquina de costura. Gostava de a observar. Seguia cada movimento com
olhar atento, pensando: «a minha avó é uma artista».
Parece que naquela altura se envelhecia
mais, mas mais devagar. Quando terminava uma costura, colocava-me no colo e
dizia-me: «Um dia ensino-te.»
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