sexta-feira, 3 de janeiro de 2014


O PAÍS DOS LAMPIÕES

 
Bem no interior da Floresta do Silêncio situava-se o País dos Lampiões. A ele se acedia por uma imensa escadaria de pedra rosada, guardada por um anjo, que com o poder da invisibilidade mantinha aquele lugar mágico, à devida distância dos humanos.


Ali, os lampiões viviam em plena liberdade, brilhando em todos os tons e em qualquer horário. Verdadeiros festivais de cor flutuavam até aos céus, num eterno ondular de energia. Desde os mais pequenos e menos brilhantes, às enormes luzes hexagonais, todos detinham o seu lugar na orquestra colorida.

No início de cada anoitecer, os animais sentavam-se ao redor da Clareira do Pinheiros, deliciando-se com o espectáculo de luz e cor sempre igual, mas sempre diferente, porque o maestro era a energia que de todos emanava, exprimindo através da luz, os sentimentos mais íntimos de cada um.

Durante décadas esta rotina se repetiu a cada dia, e uns anjos após os outros, todos cumpriram no percurso de evolução, o papel de guardião do País dos Lampiões.

Naquele dia de final de Outubro, o tempo estava quente, e a noite convidava a um passeio ao ar livre. Alguns anjos reuniam-se no bar da nuvem 808 para esticar um pouco as asas e refrescar as penas. Ali se contavam histórias do mundo da luz e se saboreava o batido de neve, com uma pitada de raio, que o anjo Juvenildo criara há cerca de um século.

O tema de conserva dessa noite era o tempo, e a boa disposição e serenidade a dominante do ambiente, até o anjo Pendular, após percorrer com o olhar tudo em redor, perguntar:

– E por falar na mudança da hora, quem é que está agora como guardião do País dos Lampiões?

Fez-se um silêncio sepulcral. Os anjos Rufino e Virgílio olharam-se sem acreditar no que viam. Se eles os dois estavam ali, quem guardava o País dos Lampiões?

– Mas, era você que devia estar de guarda! – afirmou Rufino.

– Como assim? O seu turno ainda não acabou, o tempo retrocedeu uma hora – rebateu Virgílio peremptório.

– Sim, mas essa hora não é minha, é sua.

– Como minha?

– Basta! – gritou o anjo Pendular, dando um murro na mesa. – Vão de imediato para o posto de vigia e rezem para que tudo continue nos seus devidos lugares.

Tarde demais. Os humanos subiam já os degraus e alcançavam o patamar, donde vislumbravam um brilho de luzes de todas as dimensões, cores, formas e cintilações. Alguns permaneciam boquiabertos perante tão inédito espectáculo, outros porém corriam estrada fora aproximando-se das primeiras luzes. Com um cuidado receoso tocaram-lhes, verificando que se mexiam como se tivessem vida própria, que se afastavam e fugiam deles, mas nunca deixando de brilhar.

«Uma luz daquelas valia bom dinheiro, se a conseguisse agarrar», pensavam alguns. E logo começaram a imaginar como poderiam capturar a luz. Procurar agarrá-la com as mãos de nada servia, pois era demasiado ágil e escapava-se-lhes entre os dedos, mudando de forma. O que primeiro fora uma estrela, era agora uma esfera, para logo em seguida se transmutar num polígono ou numa borboleta.

Os anjos observavam sem poder interferir. Aquele deixara de ser um lugar mágico. Ao ser invadido pelos humanos, saíra do seu círculo de actuação e não podiam senão lamentar o erro irreparável que haviam cometido. Somente a saída voluntária dos humanos lhes retornaria o poder de domínio sobre aquelas terras, mas isso não parecia provável.

 As luzes brilhavam cada vez com maior intensidade, tal era o terror que sentiam, e esse brilho atraía ainda mais os humanos, que idealizavam já armadilhas para as resgatarem.

– Temos de fazer alguma coisa – disse o dinossauro escondido atrás da enorme rocha que ladeava a cachoeira. Tinha os pés molhados há já muito tempo e isso incomodava-o, mas a sua dimensão não lhe permitia ocultar-se noutro lugar.

– Sim. Mas o que é que podemos fazer? – perguntou a hiena, rindo sem saber porquê.

As cabeças mais pensadoras do reino animal trabalhavam em uníssono, procurando a solução. Por fim, o leão bocejou, espreguiçou-se com languidez e disse:

– É bem simples. – Todos o olharam incrédulos. – Basta aí o grandalhão fazer uma aparição, dar um dos seus belos grunhidos e correr na direcção deles. Verão como saem mais depressa do que entraram.

Valia a pena tentar. Assim como assim, ninguém conseguira ter uma ideia melhor. O dinossauro respirou fundo, afastou o cabelo dos olhos e aprumou-se. Depois ganhou fôlego e num único salto apareceu bem no meio da Clareira dos Pinheiros, soltando um grito gutural.

Atropelando-se uns aos outros, os humanos corriam lívidos pela ladeira que conduzia à escadaria, logo descendo sem sequer olhar para trás.

À saída do último dos humanos, os anjos Rufino e Virgílio apressaram-se a utilizar os poderes para tornarem, de novo, aquele lugar invisível.

Já na cidade, os homens contaram a grande descoberta e muitos grupos voltaram em busca de tão grande tesouro, mas nunca mais conseguiram descortinar a entrada do País dos Lampiões.

Quita Miguel

 

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