EM CONSTRUÇÃO
A
arquitetura tem-se transformado ao longo da vida, acomodando-se a cada estádio
de evolução para suportar as diversas mudanças que o crescimento comporta.
Já
tive paredes de betão, dando morada a incertezas e inseguranças. Camuflei-as
com a folhagem, para ocultar o meu âmago, por simples timidez.
Tive
paredes de vidro, mas fosco, para preservar o interior. Eram belas, brilhantes,
permitindo abraçar a vastidão do mundo. Porém, um dia estilhaçaram-se sem
pré-aviso, assim, bem de repente, como aquela chuva tropical que chega e logo
passa.
Então,
ergui paredes de tijolo, mas senti-me sufocar por elas. Recorri ao ar
condicionado, contudo, nem assim consegui respirar melhor.
Um
dia, por pura iluminação, decidi destruir as barreiras e derrubei as paredes,
deixando os pilares à vista, expostos a todas as críticas e censuras. Tornei-me
uma morada indefinida, sem entradas, nem saídas. Um vazio que se esvaía no ar.
Depois
ergui muros de terra que pouco duraram. Uma daquelas torrentes que por vezes
nos arrasa, veio sem se anunciar e deixou de novo os pilares desnudados,
esventrando o que de mais íntimo escondiam.
Alturas
houve em que o chão tremeu. Nesse momento, os alicerces pareceram frágeis,
quebradiços, de construção delicada. No entanto, logo se recompuseram
suportados por uma estrutura, que escondia em si toda a força do ser.
Ao
longo deste percurso, o templo foi visitado inúmeras vezes.
Houve
aqueles que chegaram, se instalaram e ali permanecerem esquecidos do tempo,
embalados pela suave música que animava os corredores, pelo perfume que
envolvia os quartos, pela luminosidade que brilhava em cada canto.
Outras
visitas foram breves, mas não menos agradáveis. Essas, poucas marcas deixaram e
algumas foram mesmo esquecidas.
As
que permaneceram mais tempo na memória foram as que me desestruturaram,
esburacando o chão, riscando as paredes, escancarando as portas. Foram duras as
fases de reconstrução, mas necessárias, porque de cada uma saí mais forte, mais
consciente, mais tolerante e mais serena.
Durante
algum tempo, tentei alargar o meu espaço, construi anexos, elevei andares, mas
estes revelaram-se apêndices sem sentido e virei-me de novo para o centro, o
ponto onde tudo se inicia, onde a energia se forma para nutrir as diversas
divisões.
Hoje,
as minhas paredes não passam de tapumes frágeis, mas plácidos, tranquilizados
pelo maior conhecimento do ser, pela certeza de um caminho eterno, pela
convicção da inexistência de fim. Têm janelas de confiança, que abrem as
portadas a cada amanhecer para deixar os raios de sol brilharem na essência do
templo.
Não
ambiciono mais ser aquele palácio de dois andares, paredes fortes, portas de
aço. Gosto de ser a simples cabana colorida, que admira o mar a acariciar a
areia e se deixa afagar pela brisa fresca, que sopra a cada entardecer.
Às
vezes, vem uma leve chuva que me retira o pó e me faz brilhar com nova intensidade.
Então, agradeço.
Continuo
em construção, mas é uma construção interior feita de pequenos detalhes, que me
decoram e embelezam o ser.
Quita
Miguel
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