terça-feira, 17 de fevereiro de 2015


CASAMENTO ESFUMADO

Capitolina sentou-se na primeira fila da igreja, as pernas unidas, as mãos sobre o colo. Passado um pouco, ajeitou o chapéu. Como detestava ter qualquer coisa na cabeça, mas o casamento era de cerimónia, não havia como evitar. Soprou ligeiramente. Arrependia-se de ter escolhido aquela rede que lhe cobria a cara. A comichão no nariz era insuportável, até parecia que lhe bloqueava a respiração. Olhou o relógio. Seria que a noiva não se decidia a chegar? Quase uma hora de atraso. Que falta de respeito.

– Parece que a Ritinha desistiu de casar – bichanou a tia Joaninha.

Capitolina sorriu, mas não respondeu. Se lhe desse corda, a velha não se calava.

«Como é que ela suporta aquele chapéu?», perguntava-se a rapariga.

Agora, que pensava nisso, achava mesmo que nunca a vira sem chapéu, a não ser à mesa. Se calhar até dorme com algum gorrinho.

Sentiu-se tentada a perguntar-lhe porque é que usava sempre aquele apêndice, mas hesitou, receando dar à tia Joaninha o ambicionado pretexto para divagar. No entanto, como a curiosidade lhe formigava na garganta, arriscou:

– Tia Joaninha…

Ouviu-se a música, entrava a noiva e Capitolina continuaria e perguntar-se porque é que a tia Joaninha usava chapéu.

Rita caminhou ao longo da nave da igreja, naquele passo ensaiado, acompanhando a música que sem criatividade fora escolhida. A cada passo, perguntava-se se estaria a caminho da felicidade sonhada.

Olhou o altar, o padre, o futuro marido, os pais, os futuros sogros, os padrinhos, todos pareciam radiantes, esperando dela o sim, o sim a uma vida a dois, o sim à abdicação da liberdade de viver sem horários nem justificações, o sim à partilha de um espaço.

As pernas tremeram-lhe, mas deu o último passo, entregou o bouquet e ajoelhou-se.

Sentiu que o padre falava, mas era incapaz de se fixar nas suas palavras. O que estava ela ali a fazer? Essa pergunta preenchia-lhe todo o pensamento. Sentiu que ao seu lado Natálio se levantava e maquinalmente imitou-o.

Depois percebeu que o silêncio se havia imposto e que os olhares pesavam sobre si. Esforçou-se por se concentrar e, então, ouviu:

– Rita aceita casar com Natálio?

Ela casar? Como casar?

Tentou agir com razoabilidade. Eram tantas as pessoas que aguardavam o seu «sim». 

Mas, no momento da esperada aceitação, as razões que a tinham levado até ali, simplesmente, esvaíram-se. Não havia qualquer motivo para partilhar a vida, para deixar de ser um e passar a ser dois, ela nem gostava de números pares. Todas as razões para dizer «sim» pareceram-lhe vãs, evaporaram-se, deixaram de existir e da sua boca saiu um esplendoroso:

– Não!

O silêncio transformou-se em burburinho, o burburinho, em rumor, o rumor em gritaria, enquanto Rita, levantando o vestido, corria em direção à saída.

– Ah! Grande mulher! – berrou tia Joaninha, arrancando o chapéu da cabeça, e, perante o olhar estupefacto de Capitolina, acrescentou: – Rapariga de coragem, aquela. – Despois, sussurrando, confessou: – Eu não tive tal fibra.
E foi assim que Capitolina ficou a saber que havia ocasiões em que a tia Joaninha não usava chapéu.

Quita Miguel

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