CASAMENTO
ESFUMADO
Capitolina sentou-se na primeira fila da igreja, as pernas unidas, as mãos sobre o colo. Passado um pouco, ajeitou o chapéu. Como detestava ter qualquer coisa na cabeça, mas o casamento era de cerimónia, não havia como evitar. Soprou ligeiramente. Arrependia-se de ter escolhido aquela rede que lhe cobria a cara. A comichão no nariz era insuportável, até parecia que lhe bloqueava a respiração. Olhou o relógio. Seria que a noiva não se decidia a chegar? Quase uma hora de atraso. Que falta de respeito.
– Parece que a Ritinha desistiu de casar – bichanou a
tia Joaninha.
Capitolina sorriu, mas não respondeu. Se lhe desse corda,
a velha não se calava.
«Como é que ela suporta aquele chapéu?», perguntava-se a
rapariga.
Agora, que pensava nisso, achava mesmo que nunca a vira
sem chapéu, a não ser à mesa. Se calhar até dorme com algum gorrinho.
Sentiu-se tentada a perguntar-lhe porque é que usava
sempre aquele apêndice, mas hesitou, receando dar à tia Joaninha o ambicionado
pretexto para divagar. No entanto, como a curiosidade lhe formigava na garganta,
arriscou:
– Tia Joaninha…
Ouviu-se a música, entrava a noiva e Capitolina
continuaria e perguntar-se porque é que a tia Joaninha usava chapéu.
Rita caminhou ao longo da nave da igreja, naquele passo
ensaiado, acompanhando a música que sem criatividade fora escolhida. A cada
passo, perguntava-se se estaria a caminho da felicidade sonhada.
Olhou o altar, o padre, o futuro marido, os pais, os
futuros sogros, os padrinhos, todos pareciam radiantes, esperando dela o sim, o
sim a uma vida a dois, o sim à abdicação da liberdade de viver sem horários nem
justificações, o sim à partilha de um espaço.
As pernas tremeram-lhe, mas deu o último passo, entregou
o bouquet e ajoelhou-se.
Sentiu que o padre falava, mas era incapaz de se fixar
nas suas palavras. O que estava ela ali a fazer? Essa pergunta preenchia-lhe
todo o pensamento. Sentiu que ao seu lado Natálio se levantava e maquinalmente
imitou-o.
Depois percebeu que o silêncio se havia imposto e que os
olhares pesavam sobre si. Esforçou-se por se concentrar e, então, ouviu:
– Rita aceita casar com Natálio?
Ela casar? Como casar?
Tentou agir com razoabilidade. Eram tantas as pessoas
que aguardavam o seu «sim».
Mas, no momento da esperada aceitação, as razões que a
tinham levado até ali, simplesmente, esvaíram-se. Não havia qualquer motivo
para partilhar a vida, para deixar de ser um e passar a ser dois, ela nem
gostava de números pares. Todas as razões para dizer «sim» pareceram-lhe vãs, evaporaram-se,
deixaram de existir e da sua boca saiu um esplendoroso:
– Não!
O silêncio transformou-se em burburinho, o burburinho,
em rumor, o rumor em gritaria, enquanto Rita, levantando o vestido, corria em
direção à saída.
– Ah! Grande mulher! – berrou tia Joaninha, arrancando o
chapéu da cabeça, e, perante o olhar estupefacto de Capitolina, acrescentou: –
Rapariga de coragem, aquela. – Despois, sussurrando, confessou: – Eu não tive tal
fibra.
E foi assim que Capitolina ficou a saber que havia
ocasiões em que a tia Joaninha não usava chapéu.Quita Miguel
Sem comentários:
Enviar um comentário