terça-feira, 10 de outubro de 2017

VIDA



Percorreu o declive até ao mar, naquele final de tarde, e sentou-se numa rocha, com as ondas a refrescar-lhe os pés. O silêncio doía-lhe, porém, sabia-lhe bem. Assim, camuflava a gritaria a que fora sujeita, algumas horas atrás e que ainda a magoava.

Julgara que encontrara o amor. Um amor completo, eterno, carinhoso, no entanto talvez se tenha equivocado. Saiu de casa e andou sem destino, enquanto pensava na razão da vida.

Algumas vezes já se perguntara: «Para quê viver?». Depois alguma coisa a distanciava deste pensamento e procurava ser feliz e, algumas vezes até o conseguia, mas desta vez nada lhe interrompia os pensamentos: a praia estava deserta.

Que vida estúpida havia levado durante os seus longos anos.

Gastara a infância, estudando inutilidades. Perdera a juventude num curso superior desinteressante, porque se deixara vencer pelo cansaço de ouvir: «Se queres ser alguma coisa na vida tens de estudar.»

Ela não queria ser ninguém na vida, só queria ser ela e ela odiava estudar.

Quando terminou o curso de direito, cujas cadeiras foram feitas à primeira, apenas porque não conseguiria ouvir tudo aquilo de novo, e após o estágio, o seu primeiro ato foi suspender a inscrição. Encontrara-se perante mais uma inutilidade, que fizera apenas por não ter coragem de ser ela mesma.

Depois vieram os empregos e daqueles que até gostava, passou para aquilo que odiava porque, mais uma vez, não seguiu a sua cabeça.


Agora, sentada diante daquela imensidão perguntava-se porque se anulara sempre. Seria por comodismo, falta de coragem ou medo? Ela apostava no medo e revivendo tudo percebia que ele vinha da infância, do receio da falta de dinheiro, que ainda hoje a mantinha num emprego que era como um vómito.

Então, para quê viver? Que coisa estúpida é esta por que temos de passar?

Naquele momento, um cão deitou-se ao seu lado. Procurou em volta, contudo a praia continuava deserta. Olhou-o e sentiu-lhe a tristeza no olhar, uma tristeza igual à dela. Acariciou-o e sentiu-lhe a gratidão quando lhe colocou o focinho nas pernas.

Naquele momento, decidiu que nunca mais se deixaria maltratar, ainda que apenas verbalmente. Da sua vida iria fazer o que entendesse, sem seguir o que o mundo pensava correto.

Pegou nas patas do cão e disse-lhe:

– Anda! Vamos permitir-nos viver.



FIM



Quita Miguel

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